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  • Foto do escritorRudy Rafael

O mundo que se esqueceu que morre

A importância das pessoas como símbolos para servirem de parâmetro para a vida social é inquestionável. Por mais que o mundo queira empurrar goela abaixo de todos uma super especificidade na individualidade, é através das comparações que o ser humano se molda e consequentemente se delimita. A incapacidade da existência sem o outro se mostra evidente em todas as ações humanas, principalmente nas mais instintivas, como na mera vaidade.

O mundo do consumo tenta empurrar o ser humano para viver dentre arbustos, se escondendo de suas próprias naturezas, se escondendo de seus próprios instintos, como se algumas coisas não existissem simplesmente porque não podemos perder tempo olhando para a existência delas, mas são coisas que sempre aparecem, queiramos ou não, e há algumas que quando aparecem encontram pessoas absolutamente despreparadas para lidar com elas.

A vida, como algo tangível e fácil, é por si só fácil. Temos exemplos, desde bebês. Ao nascer somos jogados em um trajeto de existência civilizatória que já foi traçado por alguém e nos cabe meramente seguir o fluxo. A existência da civilização não depende de nós e nos cabe apenas fazer parte de algo que já existia antes de nascermos e que continuará existindo após morrermos - por mais que sempre queiramos marcar o grande território da existência.

No mundo atual não convém falar da morte. Falar da morte “dá azar”, é “energia negativa” e é sempre bom “falar de coisas boas”. A morte é o fim e o fim não produz capital. Uma pessoa ciente do fim não tem porque gastar com esse fim, mas enquanto as pessoas mentirem para si mesmas acreditando que viverão para sempre continuarão eternamente no ciclo de consumo e o consumo gera riqueza para alguém.

Não se fala da morte. Não há cursos e pós-graduações “para se preparar para a morte”. Ninguém quer se envolver com o tema, por mais que seja a única coisa certa na vida de todos. A morte se tornou um assunto não-grato, um assunto que se deve evitar, porque devemos sempre buscar ser felizes, ativos e eternamente jovens, mas a morte acontece, a morte vem e como podemos saber o que cada pessoa sente ao ter que lidar com ela?

Sendo possível que a atividade cerebral continue por algum tempo mesmo após a definitiva parada cardíaca, se vê possível que ocorra atividade mental nesse interregno e aí pode-se vislumbrar um sofrimento terrível na mente que absolutamente despreparada para o que presencia não faz a mínima idéia de como lidar com o grande final de sua vida, sendo que poderia ter sido diferente. Por que não preparar as pessoas para os seus momentos finais de vida?

Não há como provar o que ocorre após a morte, mas é possível dizer que nos momentos finais da vida uma pessoa poderia estar mentalmente preparada para passar pelo que tivesse que passar, como por exemplo sabendo otimizar seus últimos minutos de consciência e razão com intenções mentais lógicas, positivas e sadias para reduzir o inevitável sofrimento que há de encarar ao constatar que está deixando este mundo, o que é seu e os seus.

Cada vez mais estão esticando a vida das pessoas fazendo com que queiram eternamente viver como jovens, como se a idade não lhes estivesse chegando e como se pudessem evitar a morte. Não existe uma intenção da sociedade em preparar as pessoas para a inevitável morte, porque isso não dá dinheiro. As pessoas não querem se preparar para a morte, elas querem se preparar para ficar ricas, famosas e com sucesso em seus relacionamentos amorosos.

Se a adolescência foi adiantada, era natural que a velhice fosse atrasada. Da mesma forma como infantilizaram as pessoas adiantando a adolescência para que pudessem lhes manter no consumo infantil atrasaram a velhice para manter os idosos no consumo adulto. Não é interessante para quem vende ter uma grande faixa de potenciais consumidores em casa esperando a morte enquanto vivem a aposentadoria.

Os idosos atuais já não conversam sobre o fim da vida, sobre o que a vida lhes mostrou, sobre a vida após a morte e assuntos relacionados à morte, mas andam de bicicleta, fazem tatuagens e vão em baladas. Resistem à morte, fogem da morte como o Diabo foge da cruz. Entretanto, sabemos que toda negação tem um preço e não existe negação maior do que a negação do grande final da vida, a negação da vinda e da chegada inevitável da morte.

Todo ser vivo tem um instinto que lhe faz lembrar a morte. Elefantes que se direcionam a cemitérios de elefantes para morrer, cachorros que vão até o colo de seus tutores para dar o último suspiro, pessoas que chamam o último ente querido no leito de hospital, a morte assombra a existência de todo ser vivo e querer fazer que ela não existe pode vir a ser grande negação que pode vir a gerar sintoma, pois ninguém fica impune à negação da própria morte.

A morte existe e não há como fugir dela. Não adianta viver eternamente como se fosse um adolescente de 35 anos, a morte chegará para todos e assim como parâmetros são necessários para a formação da vida, parâmetros podem ser extremamente úteis para o preparo para a grande transição. Não se pode fingir que a morte não existe, não se pode fugir da morte e não se percebe uma intenção de preparo mental das pessoas para esse momento.

Os arquétipos vêm sendo descontruídos há décadas e a figura do velho sábio que tinha envergadura moral e de conhecimento para instruir o jovem deu lugar a um velho musculoso de academia, tatuado, cheio de plásticas e que vai em baladas de jovens de 35 anos como se realmente tivesse 35 anos e como se realmente tivesse pela frente a vida toda que aguarda um jovem de 35 anos, tudo isso enquanto a morte lhe aguarda.

O mundo se esqueceu da morte, talvez porque não tenha mais coragem para encará-la, talvez porque as seduções para as satisfações dos sentidos físicos se tornaram tantas que se deseja cada vez mais do que nunca a vida eterna, mas a vida eterna não existe, mas a morte sim e quanto mais se tentar fugir dela, menos preparado se estará para ela e assim maior será o sofrimento ao encontrá-la.

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