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  • Foto do escritorRudy Rafael

A inviabilidade da terapia de casal para pessoas completamente destruídas

Atualizado: 1 de fev.

Os fatores que levam um casal a buscar terapia de casal para situações relacionadas ao seu relacionamento amoroso são tão variáveis quanto os fatores que levam duas pessoas a formarem um casal, mas, apesar disso, a psicanálise, por sua própria essência de abertura e expansão, sempre estará aberta a receber demandas relacionadas a isso. Ocorre que muitas das vezes as pessoas chegam tão completamente destruídas para a terapia de casal que a própria terapia de casal, ao olhar da psicanálise, se torna inviável e cabe o psicanalista observar isso para que o tratamento não acabe fazendo mais mal do que bem.

A psicanálise é um trabalho que exige força interior do analisando para que busque resolver seus problemas e consiga de certa forma ter ações práticas em busca de sua própria mudança. O analisando busca a psicanálise para melhorar, para mudar e para se transformar e para isso é necessária uma força interna que pessoa alguma pode dar ao analisando senão ele mesmo e caso o psicanalista não se atenha a isso invariavelmente acabará caindo na cilada do reforço de uma situação de gratificação pelo sofrimento, como no caso de uma pessoa que procura um psicanalista para reforçar sua posição de quem sofre abuso na relação amorosa.

É possível que tanto um homem quanto uma mulher sofram abuso em uma relação amorosa, mas não é dever do psicanalista se colocar como um reforçador de situações de defesa daquele que busca a psicanálise para ver alguém concordar com seu papel de vítima. Ocorre um erro técnico quando o psicanalista não vislumbra a completa incapacidade de uma vida comum de seu próprio analisando e passa, diante da incapacidade de uma vida comum de seu analisando, a apenas se colocar como ouvinte de uma situação de gratificação no sofrimento, pois muitas vezes o sofrimento é uma gratificação para o analisando.

Não cabe ao psicanalista assumir a posição de tutor ou conselheiro do analisando, lhe apaziguando as sensações da vida enquanto vê no analisando uma ausência de força mínima para a readequação psíquica e social através da psicanálise. A psicanálise é para que as pessoas busquem a sua própria autonomia na vida, para que aprendam a lidar com as situações da vida, como as situações relacionadas ao seu próprio relacionamento amoroso, mas para isso é imprescindível que tenham uma mínima força interior para sair do lugar inicial. Não importa o que uma pessoa esteja passando, ela sempre precisará ter alguma força para sair de tal situação.

A psicanálise não pode ser buscada como pacto secreto entre analisando e psicanalista por onde o analisando relata a fuga da incapacidade de mudança e o psicanalista se deleita na própria contratransferência de aconselhar o analisando para que faça aquilo que ele próprio gostaria de fazer. A psicanálise não foi criada para que uma pessoa procure um psicanalista para dizer que é vítima de abuso em um relacionamento amoroso e o psicanalista fique reforçando essa postura de vítima para que o analisando obtenha mais prazer ainda nessa situação que escolheu estar. A psicanálise dever ser um caminho de mudança para quem busca a mudança.

É evidente que nem todos possuem toda a força interior para mudar através da psicanálise, mas uma força mínima é necessária, do contrário o psicanalista estaria reforçando o sofrimento do analisando e até mesmo incentivando-o a continuar a sofrer na medida em que reforça tal sofrimento. O psicanalista deve olhar para a não gratificação na psicanálise. A psicanálise em uma terapia de casal não pode ser utilizada para que o analisando encontre uma forma de apaziguar seu sofrimento ao encontrar na conversa com o psicanalista um amigo que vai entender seu sofrimento e lhe reforçar o quanto ele é uma pobre vítima indefesa de um abusador malvado.

Portanto, o psicanalista, ao identificar uma ausência real de incapacidade de mudança no analisando que busca a terapia de casal, como no caso das pessoas completamente destruídas emocionalmente, poderia vir a indicar ao analisando algum outro tratamento de saúde que se proponha a restabelecer uma capacidade psíquica e de consciência ao analisando capaz de lhe dar forças para iniciar o processo de mudança, de forma que aí a pessoa passaria a estar pronta para iniciar um tratamento com a psicanálise. A psicanálise não é para todos, é preciso estar pronto para encará-la, é preciso estar pronto para mudar.

Se uma pessoa procura terapia de casal com um psicanalista, mas está completamente destruída pela depressão e sem força mínima de estabelecer qualquer comportamento equilibrado de mudança em si mesma e em seu próprio relacionamento amoroso com seu parceiro, necessário é que essa pessoa busque alcançar essa força mínima para iniciar uma terapia de casal, para aí sim buscar novos rumos em sua vida, seja através da psicanálise ou de qualquer outro tratamento ou terapia. Há pessoas que sofrem tanto que vivem como se estivessem em coma e antes de encarar seu próprio Inconsciente, precisam despertar desse coma.

Há pessoas que em determinado ponto em que se encontram precisam mais de pedagogia do que psicanálise, mas não cabe ao psicanalista combinar a técnica psicanalítica com qualquer técnica educativa. A pessoa que busca a psicanálise deve ter o desejo de lutar e sair de sua prisão e se a porta da prisão estiver aberta, caberá à pessoa sair pela porta aberta, mas se a pessoa não tiver forças para sair pela porta aberta, continuará lá presa e o psicanalista deve compreender isso, pois chegando ao ponto em que a porta está aberta, o psicanalista não terá como empurrar ou puxar o analisando para fora da prisão.

É imprescindível para o psicanalista manter o espírito da psicanálise, para que ela não caia em seu próprio desuso clínico e se transforme em alguma outra coisa, pois cada vez que a psicanálise se transformar em algo que não ela própria, ela fará mais mal do que bem. Não se brinca com o Inconsciente de pessoa alguma. O Inconsciente é muito poderoso e, assim como o mar, precisa ser respeitado. Na psicanálise a clínica se sobrepõe à teoria e é através da própria clínica que o psicanalista poderá verificar se o analisando tem condições de até mesmo iniciar a análise, ainda mais tratando-se de uma terapia de casal, pois é necessário força para tal.

Como o tratamento psicanalítico começa e não tem onde acabar, pois tudo está em eterna mudança e aquilo que passou pode vir a voltar de outra forma, o psicanalista não pode arriscar o bem-estar psíquico do analisando com tratamentos curtos e uma terapia de casal maculada pela deturpação do propósito da autonomia do indivíduo transmutada em um sistema de mera recompensa do sofrimento do analisando seduz a algo a curto prazo e rasteiro com fórmulas prontas, pois em um caso de abuso em um relacionamento amoroso o psicanalista pode vir a ser tentado a tomar partido por suas próprias ideologias.


Um relacionamento amoroso é para pessoas adultas, pessoas com autonomia e maturidade para lidar com suas escolhas e consequências e de mesma forma uma terapia de casal deve ocorrer com pessoas adultas, com autonomia e maturidade para lidar com suas escolhas e consequências. Iniciar uma terapia de casal desconsiderando um estado de completa incapacidade do analisando de meramente se preparar para se erguer ou mudar é um erro técnico grave que pode vir a causar grandes estragos na vida do analisando e a psicanálise não veio para piorar a vida de pessoa alguma, veio para melhorar.

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